STJ reconhece filiação socioafetiva e mantém adoção de neto por avós
03 de novembro de 2014STJ reconhece filiação socioafetiva e mantém adoção de neto por avós
A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve decisão que permitiu a adoção de neto por seus avós, reconhecendo a filiação socioafetiva entre ele e o casal. O colegiado concluiu que os avós sempre exerceram e ainda exercem a função de pais do menor, concebido por uma mãe de oito anos de idade que também foi adotada pelo casal.
“A adoção foi deferida com base na relação de filiação socioafetiva existente”, afirmou o relator do recurso, ministro Moura Ribeiro, para quem não se trata de um caso de simples adoção de descendente por ascendentes – o que é proibido pela Lei 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA).
“O constrangimento a que o menor é submetido a cada situação em que precisa apresentar seus documentos é altíssimo, sobretudo se se levar em conta que tal realidade não reflete a vivenciada no dia a dia por ele,filho que é de seus avós”, acrescentou o relator.
O casal adotou a mãe do menino quando ela tinha apenas oito anos e estava grávida, vítima de abuso sexual. Tanto a menina quanto seu bebê passaram a ser cuidados como filhos pelo casal, que mais tarde pediu a adoção formal também do menino.
Ordem familiar
O menino – hoje um adolescente de 16 anos – foi registrado apenas no nome da mãe e com informações desatualizadas, pois após o registro a genitora teve o próprio nome alterado sem que houvesse a retificação no documento.
A sentença deferiu o pedido de adoção. O Ministério Público de Santa Catarina apelou, sustentando que o menor já residia com sua mãe biológica e com os avós adotivos, razão pela qual a situação fática não seria alterada pela adoção. Alegou também que a adoção iria contrariar a ordem familiar, porque o menino passaria a ser filho de seus avós, e não mais neto.
O Tribunal de Justiça, entretanto, manteve a sentença, levando em conta as peculiaridades do caso e o princípio constitucional da dignidade humana, com vistas à satisfação do melhor interesse do menor.
Segundo o tribunal, a mãe biológica concordou com a adoção no depoimento prestado em juízo. Além disso, o estudo social foi favorável à adoção ao reconhecer a existência de relação parental afetiva entre as partes.
Como irmãos
No STJ, o Ministério Público afirmou que a adoção somente pode ser deferida quando a criança ou o adolescente não mais tem condições de ser mantido na família natural (formada por pais e seus descendentes) ou na família extensa (que inclui parentes próximos). Sustentou ainda a impossibilidade jurídica da adoção pelos avós do filho da filha adotiva e defendeu a extinção do processo sem resolução de mérito.
De acordo com o MP, a adoção de pessoas com vínculo de ascendência e descendência geraria confusão patrimonial e emocional, em prejuízo do menor.
Em seu voto, o ministro Moura Ribeiro concluiu que a decisão do tribunal estadual deve ser mantida. Segundo ele, não é o caso de simplesmente aplicar o artigo 42 do ECA, que proíbe a adoção por ascendentes, uma vez que esse dispositivo se destina a situações diferentes daquela vivenciada pela família.
“Ainda que se fale em ascendentes e descendente, a realidade trazida é outra. Não foi o adotando tratado pelos requerentes como neto e, por isso mesmo, eles buscam a sua adoção, até porque não houve um dia sequer de relação filial entre a mãe biológica e o menor, que sempre se trataram como irmãos”, afirmou o relator.
Interesse do menor
Ao fazer uma retrospectiva sobre a história legal da adoção no Brasil, Moura Ribeiro disse que no Código Civil de 1916 a principal característica era a preocupação com os anseios dos adotantes, que, na maioria das vezes, queriam assegurar a continuidade de suas famílias quando não pudessem ter prole natural.
Seguiram-se três leis sobre o tema (3.133/57, 4.655/65 e 6.697/79) antes da elaboração do ECA, que privilegia o interesse do menor.
Moura Ribeiro afirmou que é inadmissível que a autoridade judiciária se limite a invocar o princípio do superior interesse da criança para depois aplicar medida que não observe sua dignidade.
“Frise-se mais uma vez: o caso é de filiação socioafetiva. Em verdade, em momento algum pôde essa mãe criança criar laços afetivos maternais com seu filho, porquanto nem sequer deixou de ser criança à época do parto. A proclamada confusão genealógica gritada pelo MP aqui não existe”, disse o ministro.
“Não se pode descuidar, no direito familiar, de que as estruturas familiares estão em mutação. E, para lidar com essas modificações, não bastam somente as leis. É necessário buscar subsídios em diversas áreas, levando-se em conta aspectos individuais de cada caso. É preciso ter em mente que o estado deverá cada vez mais estar atento à dignidade da pessoa humana”, concluiu.
O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial.
FONTE: STJ
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